François du Jon, com o nome latinizado de Franciscus Junius, foi uma das figuras mais importantes da primeira fase da escolástica reformada, conhecida como "Ortodoxia Primitiva", sendo reconhecido como um dos grandes teólogos de seu tempo e deixando um grande legado na filosofia calvinista. Nascido em Bourges, na França, vinha de uma família da baixa nobreza. Aos doze anos, adentrou na academia de Bourges e estudou direito tendo como professor o jurista huguenote François Douaren (1509-1559), representante dos humanistas legais que defendiam a aplicação da lei romana na sociedade de seu tempo. Além dele, Hughes Doneau (1527-1591), também jurista e huguenote, rendeu a ele a formação jurídica ideal para um intelectual renascentista, sendo este responsável por aplicar o humanismo francês no estudo da Suma Completa dos Direitos Romanos, de Justiniano.
Ele iria absorver profundamente essa influência, revelada nas citações da tradição legal greco-romana clássica em muitas de suas obras. Como muitos teólogos reformados de seu tempo, sua formação jurídica serviria de amparo ao seu desenvolvimento teológico.
Em 1560, Junius foi indicado como diplomata auxiliar do embaixador francês na corte turca, mas perdeu o navio após ele zarpar antes que ele alcançasse Lyon, deixando de ir a Istambul. Passou dois anos naquela cidade estudando clássicos gregos e romanos que o conduziram a uma crise de fé. Os escritos de Cícero e Epicuro quase o levaram ao ateísmo, devido a natureza hedonista e anti providencialista deste último, entretanto, ao ler o capítulo de abertura do Evangelho de João, seus olhos se abriram e ele decidiu entregar sua vida a Deus, adentrando na Igreja Reformada Francesa com 16 anos.
Em 1562, iniciaram-se as Guerras Religiosas Francesas (1562-1598) e o estudioso decidiu ir para a Genebra em busca de aprendizado e segurança. Em 17 de março deste ano ele chegou a Genebra, onde permaneceu sob a tutela de João Calvino e Teodoro Beza, os maiores nomes da teologia reformada na segunda geração. Seu pai, também protestante, foi morto por um fanático católico em Issoudun e impediu a vinda de recursos, levando-o a uma difícil condição financeira que apenas se agravou ao longo dos três anos de estudo.
Em abril de 1565, aos 20 anos, aceitou ser pastor de uma igreja valã (wallon) na Antuérpia, Bélgica onde atuou em peso para divulgar a Confissão Belga (1561), escrita um ano antes por Guido de Brés, distribuindo cópias para várias igrejas ao redor do continente a fim de obter opiniões sobre ela que contava com uma contribuição sua no artigo sobre eleição. Em razão de seus esforços, o Sínodo da Antuérpia foi o primeiro corpo sinodal a aderir a Confissão Belga, em 1566;
No início deste ano, o rei ardentemente anti-protestante Filipe II da Espanha (1554-1598) instituiu a Inquisição no território subordinado dos Países Baixos, despertando o Beeldenstorm, uma onda de iconoclastia (destruição de ícones) em resposta a perseguição. Junius não encorajou e não participou dos atos, embora perdesse muitos de seus irmãos, entregues ao martírio pelos romanistas e queimados em fogueiras. Assinou um pedido de proteção as igrejas valãs endereçado ao monarca mas o acordo feito em 1566 protegia apenas pastores neerlandeses de nascença, levando Junius a fugir a Limburgo, onde pregou ṕor seis meses, após ser mais uma vez forçado a fugir, desta vez para Heidelberg, em 1567, onde foi bem recebido pelo Eleitor Palatino Frederico III (1559-1576) e passou a servir na igreja reformada de Schönau.
Até então seu ministério era bastante conturbado, trocando continuamente de campo e chegando a ministrar como capelão numa campanha militar holandesa que fracassou. Apenas encontrou estabilidade a partir de 1573, onde iniciou seu trabalho exegético e filosófico
Ortodoxia reformada
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| Tremellius foi um grande companheiro e tornou-se seu sogro após Junius se casar com sua filha |
Junius uniu-se ao ex-judeu Immanuel Tremellius (1510-1580) para compor uma tradução fiel da Escritura entre 1575 e 1579, unindo os conhecimentos linguśiticos de ambos sobre hebraico, siríaco e caldeu para obter o Antigo Testamento em seu idioma original e trazê-lo ao latim, sendo continuamente colocada junto com a tradução de Beza ao Novo Testamento.
Em 1576, o luterano Luís VI (1576-1583) sucedeu a seu pai no palatinado e a faculdade de Heidleberg deixou de seR reformada, expulsando todos os estudantes que não concordassem com a Fórmula de Concórdia em 1577. Johann Casimir von Pfalz-Simmern (1543-1592), irmão do antigo eleitor, fundou o colégio de Casmirianum, voltado a reformados, em Neustadt. Zacarias Ursinus (1534-1583), o principal autor do Catecismo de Heildeberg, também ingressou na faculdade, tornando-se grande amigo de Junius.
Foi nessa faculdade, em suas aulas sobre o livro de Salmos, que ele desenvolveu seu método hermenêutico voltado a essa seção da Escritura, além de distinguir as diferentes formas de pactos presentes em gênesis, foedum, pactum e testamentum.
Junius colocou essa distinção na sua explicação sobre a lei natural e a lei mosaica, mostrando a diferença no modo como Deus se revela de forma comum e de forma especial ao seu povo. Ela permaneceria duradoura durante a escolástica reformada e faria parte de seu grande legado.
Luís VI morreu em pouco tempo e Casimir tornou-se regente do seu sobrinho Frederico IV (1583-1610), permitindo que os reformados retornassem a Heidelberg, Em 1583, recebeu uma cadeira em divinidade na Universidade de Heidelberg, cargo que exerceria por quase uma década enquanto engajava-se em missões diplomáticas do duque de Bouillon, na França e na Alemanha, chegando a conhecer o próprio rei francês Henrique IV (1589-1610), antigo huguenote. Em 1592, recebeu um cargo na Universidade de Leiden, nos Países Baixos, onde escreveu sua magnum opus.
O seu tratado "Sobre a Verdadeira Teologia" (De Vera Theologia) foi a primeira obra protestante a distinguir a teologia arquetípica, o conhecimento de Deus sobre si mesmo e a teologia ectípica, nosso conhecimento sobre Deus fundamentado no que Ele condescendeu em revelar a nós, fundamentais para a relação Criador-criatura. Essa divisão está enraizada no pensamento scotista, de João Duns Scotus (1266-1308), onde distingui-se a teologia em si mesma (theologia in se) e a nossa teologia (theologia nostra) e tornou-se muito relevante na teologia reformada e luterana pois estabelece limites para o conhecimento que podemos alcançar sobre Deus, em razão de nossa inferioridade e pecaminosidade, conduzindo à necessidade da Escritura Sagarada para que possamos compreender ao menos uma parte do ser de Deus, rumando como peregrinos à beatífica visio Dei, onde haveremos de apreendê-lo mais plenamente.
Morreu em 1602 e ironicamente sua cadeira passou para Jacobus Arminius (1560-1609), o patrono do arminianismo e do movimento remonstrante que geraria controvérsias na igreja reformada por todo o século seguinte. O conhecido historiador Joseph Scaliger (1540-1609) assim disse sobre ele, em após sua morte:
"Tu, Ó escola enlutada, chore pelo seu professor
Tu, ó destituída igreja, seu pai!
Seu doutor, o mundo inteiro, lamente!"
Franciscus Junius permaneceu por séculos como um importante teólogo no câmpo da hermenêutica e da teontologia, alcançando até mesmo os neocalvinistas como Herman Bavinck (1854-1921). Embora não seja popular, merece posição de destaque na ortodoxia reformada e permanece como fiel expoente da fé protestante em sua pureza e ápice intelectual.
Graça e paz a todos vocês,
Luigi Bonvenuto
BIBLIOGRAFIA:
Chisholm, Hugh, ed. (1911). "Junius, Franz s.v. Franz Junius (1545–1602)". Encyclopædia Britannica. Vol. 15 (11th ed.). Cambridge University Press. p. 559.
RESTER, Todd M. "Um breve relato da vida de Franciscus Junius". Junius Institute. Original em: "Selection from On the Observation of the Mosaic Polity".


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