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O PASTOR HUGUENOTE OPOSITOR AO NAZISMO - Roland de Pury (Biografia Huguenote)

O pastor Roland de Pury, defensor dos judeus durante o Holocausto


Os judeus sempre foram um povo perseguido ao longo da história pelas mais diversas nações, desde o Império Babilônico até o Império Romano. A mais recente e mais violenta das perseguições ocorreu sob o governo nazista no século XX, quando mais de 6 milhões de judeus foram massacrados durante o Holocausto. Lamentavelmente, muitos cristãos apoiaram e colaboraram com a ascensão de Hitler e seu partido fascista ao poder, porém outros corajosos falaram abertamente contra o regime opressor e defenderam os perseguidos, incluindo pastores huguenotes franceses qe arriscaram suas vidas em nome desta causa. Já falei aqui sobre o vilarejo reformado que desafiou os nazistas ao formar um abrigo para os refugiados graças aos esforços de André Trocmé e hoje contarei a história de Roland de Pury, um ministro de Deus dedicado a obra social

FORMAÇÃO

De Pury nasceu em 15 de novembro de 1907, em Genebra, filho único de Baron Jules de Pury, um oficial militar, e Noémi Perrot. Pertencia a uma família huguenote vinda do cantão suíço de Neuchâtel, onde seu avô havia servido como presidente do conselho municipal, possuindo uma herança abastada pelo fato da família ser elevada à nobreza por Frederico II da Prússia. 

Desejava se tornar escritor e após estudar literatura na Suíça, na Universidade de Neuchâtel, passou por um experiência de conversão onde se sentiu movido pelo Espírito Santo e creu ter recebido um chamado de Deus para se dedicar à Sua obra. Em 1929, atendendo a ordenança divina, foi estudar teologia protestante em Paris, onde tornou-se cofundador de uma revista de existencialismo cristão chamada Hic et Nunc, junto com outros teóricos conhecidos, Henry Corbin, Roger Jézéquel, Denis de Rougemont e Albert-Marie Schmidt. Ao mudar-se para Bonn, onde Karl Barth lecionava, tornou-se seu aluno e adepto de suas ideias neo-ortodoxas, opostas ao liberalismo dominante da época.

Casou-se com Jacqueline de Montmollin, uma nobre suíça, em 27 de março de 1931 e teve oito filhos com ela. 

Foi ordenado em 22 de abril de 1934, na igreja colegial (Collégiale de Neuchâtel), sendo designado para o pastoreio da igreja reformada de Vendée, entre 1934 e 1938, sendo posteriormente enviado a Lyon em 1937 onde pastoreou por 20 anos na Igreja Reformada de Terreaux (Temple protestant des Terreaux), templo fundado pelo pastor conservador e evangelical Adolphe Monod, enquanto vivia em La Croix-Rousse.

RESISTÊNCIA

Jacqueline e Roland de Pury em 1954


Durante seu período acadêmico, presenciou a ascensão de Hitler ao poder, atento às notícias vindas do país vizinho, a Alemanha. Em 1 de setembro de 1939, despertou-se a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o conflito mais sangrento da história mundial com 50 milhões de mortos. A França ingressou no conflito na mesma semana, no dia 3, porém entre maio e junho de 1940, na "Campanha Francesa", o país foi invadido pelos alemães e subjugado. Lyon foi ocupada entre 19 de junho e 6 de julho de 1940, no que Pury afirmou em um de seus sermões que "A França estaria melhor morta do que derrotada", pregando continuamente contra o regime nazista diante do público composto por combatentes da Resistência Francesa (La Résistance) colocando-se em alto risco. 

Posteirormente, um de seus filhos, Philippe de Pury, reconheceu que "ele era muito incisivo nas palavras", mostrando sua alta capacidade de oratória. Entretanto, não bastava apenas pregar, deveria agir: tornou sua casa e seu templo locais de acolhimento temporário para refugiados judeus que rumavam para a Suíça, fugindo do repressor governo da "França de Vichy", prestando assistência também à contrabandistas de Le Chamon que acolhiam crianças refugiadas. Ele apoiou os movimentos juvenis protestantes em prol dos judeus organizados na Cimade, uma organização não-governamental fundada na Alsácia em prol dos exilados e deportados. 

Em 1942, como membro ativo da OSE (Œuvre de Secours aux Enfants, "Organização de Auxílio Infantil", entrou em contato com os suíços Ruth Jacard Monney e seus pais Arthur e Whilelmine Jaccard que operava a "Domaine du Sappel" para estabelecer um local intermediário entre a França e a Suíça que providenciasse refúgio ao trânsito de judeus, situado entre Lyon e Genebra em Labalme-sur-Cerdon.

PRISÃO

Em 13 de maio de 1943, enquanto realizava um culto, dois agentes da Gestapo o prenderam e o levaram para o Fort Montluc, em razão de seu envolvimento com os combatentes da Resistência. Passou cinco meses encarcerado e escreveu "Diário de uma Cela", que viria a ser publicado posteriormente. O cardeal Pierre-Marrie Gerilier e o pastor reformado Marc Boegner suplicaram por sua soltura, mas não foram atendidos. 

Foi transferido para Bregenz, na Áustria, e em outubro de 1943, juntamente com outros suíços capturados, eles foram trocados por espiões nazistas que haviam sido aprisionados na Suíça. Sua esposa e seis de seus filhos o encontraram e permaneceram em Neuchâtel, recebendo depois os outros dois filhos que cruzaram a fronteira. Retornaram a Lyon apenas em outubro de 1944, após a Libertação.

PÓS-GUERRA

Após o fim da guerra, ele permaneceu ativo em causas sociais e atuou como missionário pela Sociedade Missionária Evangélica de Paris (SMEP), em Camarões e Madagascar. Denunciou as práticas de tortura que ocorriam na Guerra Algeriana (1954-1962), criticou o ato de trocar esposas por dotes no Camarões e tornou-se anticomunista após visitar a Rússia. 

Retornou ao sul da França e tornou-se capelão universitário, terminando sua vida como pastor de uma congregação em Aix-en-Provence. Em 1976, foi concedido a ele e sua esposa o prêmio de Justos Entre as Nações, honraria dada aos não-judeus que auxiliaram este povo durante o período mais sombrio de sua história.

Faleceu em 24 de janeiro de 1979, em Aix-en-Provence.

BIBLIOGRAFIA:

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